domingo, 5 de julho de 2009

De quem é a crise

Nas últimas semanas, a retumbante crise que aflige o Senado personificou-se na figura do presidente da Casa, o senador José Sarney (PMDB-AP). Aos desavisados, segue uma breve retrospectiva:

Sarney passou a presidir a instituição pela terceira vez (já o havia feito de 1995 a 1997 e entre 2003 e 2005) no início deste ano. Desde então, escândalos como o das passagens aéreas, do pagamento de horas extras a servidores durante as férias e do seguro de saúde (após seis meses no cargo, o senador e seus familiares são agraciados com um seguro de saúde vitalício, onerando anualmente dos cofres públicos R$17 milhões) vêm palpitando na imprensa. Mas foram os atos secretos que escancararam o tamanho da podridão que assola o Senado.

Foi a partir de então que a crise, que era da instituição como um todo, passou a ser catalisada na figura de Sarney. Fora ele quem, durante sua primeira presidência da Casa, contratou Agaciel Maia para diretor geral do Senado e João Carlos Zoghbi para diretor de recursos humanos da instituição. Desde então, os dois montaram um esquema que permitia, dentre outros, a contratação secreta de funcionários e aumento salarial (clique aqui e veja exemplo). Apelidado de "atos secretos" o esquema servia também para exonerar, sem publicidade, parentes dos senadores lotados em cargos políticos (o que configura como nepotismo cruzado). Exemplo disso é o irmão de José Sarney, Ivan Celso Furtado Sarney, exonerado do cargo de assistente parlamentar, e João Fernando Michels Gonçalves Sarney, neto do presidente, exonerado do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA); ambos por ato secreto.

Pouco depois, foi descoberto que Adriano Cordeiro Sarney, outro neto de Sarney, operava um sistema de crédito consignado no Senado. Por meio da empresa Sarcris Consultoria, Serviços e Participação Ltda., Adriano intermediava a concessão de empréstimo de seis bancos aos servidores da Casa.

A situação complicou para Sarney após a recente denúncia de que ele não declarou à Justiça Eleitoral uma casa no valor de 4 MILHÕES DE REAIS. Sarney comprou a casa em 1997 do banqueiro Joseph Yacoub Safra, dono do Banco Safra. Desde então, disputou duas eleições (1998 e 2006) sem declará-la. O artigo 350, presente no capítulo 2 Código Eleitoral, classifica como crime eleitoral "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.”

Eis a mansão:


Foi justamente por não declarar à Justiça uma mansão, no valor de R$ 5 milhões de reais, que Agaciel Maia foi afastado do cargo de diretor geral do Senado (antes mesmo do escândalo dos atos secretos vir à tona).

A mansão não declarada de Sarney é sua residência em Brasília. Mesmo assim, de 2008 a maio deste ano Sarney recebia R$3,8 mil mensais de auxílio-moradia, destinado aos parlamentares que não possuem residência fixa na capital. Ou seja: além de não declarar a mansão, Sarney ainda recebia um auxílio (equivalente a mais de 7 salários mínimos) por supostamente não morar em Brasília.

Apesar de tudo isso, Sarney declarou: "A crise não é minha". Veja abaixo trechos do discurso, feito em 16/06 na tribuna do Senado:




José Sarney está certo. Por ter presidido três vezes o Senado, ele tem a maior parcela de culpa de toda essa crise. Afinal, foi ele quem trouxe Agaciel Maia, Zoghbi, entre outros, e aparelhou a Casa de modo a possibilitar todo e qualquer desvio de ética. Porém, não deve ser crucificado sozinho pelas recentes denúncias, tampouco ser nomeado o responsável pelo sangramento do Senado. Afinal, o Senado está ferido há tempos.

Somente de 2000 para cá, foram inúmeros escândalos e dois presidentes renunciaram. Em 2001, o então presidente do Senado Jáder Barbalho (PMDB) renunciou após denúncias de corrupção e desvio de verbas, que somavam mais de R$ 3 bilhões. Em 2007, Renan Calheiros (PMDB-AL) deixou a presidência após a revelação de que pagava a pensão do filho que teve com a ex-amante Monica Veloso com dinheiro de um lobista de uma empreiteira.

Portanto, Sarney não é o primeiro presidente do Senado envolto à escândalos, tampouco o único detentor do poder lá dentro.

Poucos sabem, por exemplo, que o DEM comanda a primeira secretaria há dez dos últimos 18 anos. É ela que gerencia a maior parte do orçamento do Senado (por isso é apelidada de "cofre" da Casa). A ela também é subordinado o diretor geral do Senado (cargo que era ocupado por Agaciel Maia). Com o mínimo de investigação, com certeza muitos escândalos lá serão descobertos.

A mídia também não deu destaque ao fato de mais de 40 senadores (de um total de 81, ou seja, quase a metade) terem se beneficiados dos atos secretos editados pro Agaciel Maia.

O saldo de tudo isso é o seguinte: Sarney tem enorme responsabilidade por essa crise atual, porém não deve ser crucificado sozinho. Sua renúncia ou afastamento, embora necessários, não sanarão os males do Senado. É necessária uma investigação plena na Casa, envolvendo todos os senadores, gabinetes, diretores e funcionários. Mas, sobretudo, é imprescindível uma mudança de costumes na política brasileira. Ou seja: o problema não será resolvido tão cedo.

Um comentário:

  1. Finalmente ressuscitou o blog!
    Sempre gostei das suas postagens, elas me ajudam muito. Nesse caso, eu sou uma desavisada. Não deveria, mas... como disse anteriormente, seu blog ajuda muito mesmo.
    Gosto muito da sua opinião, é sucinta e justa.
    Quanto ao Sarney, ele vai ter que sair, agora como?

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